Interpretação do Conselho Constitucional sobre prazos legais levanta críticas e alimenta suspeitas de manobras para travar o reconhecimento do partido de Venâncio Mondlane.


O Conselho Constitucional (CC) pronunciou-se recentemente sobre o recurso interposto pelos proponentes do partido ANAMALALA, liderado por Venâncio Mondlane. A decisão, embora juridicamente favorável à continuidade do processo, tem suscitado dúvidas e críticas quanto à coerência interpretativa da legislação aplicável.

Decisão que reacende polémicas

O CC considerou que, no caso específico do recurso interposto por ANAMALALA, não se aplica o prazo de 25 dias previsto para a conclusão do procedimento, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 108 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto  norma que rege o funcionamento da Administração Pública.

Segundo o entendimento agora assumido, assim que o Ministério da Justiça solicita aos proponentes a correção de eventuais irregularidades, o prazo legal anterior deixa de vigorar, e todo o processo é considerado como estando numa nova fase, sem contagem de tempo anterior. Esta visão abre espaço para que o Ministério possa até reconsiderar matérias anteriormente já apreciadas e dadas como encerradas, o que, à luz de vários juristas, configura uma distorção interpretativa e uma violação do princípio da segurança jurídica.

Um processo reiniciado?

De acordo com esta lógica, como ANAMALALA apresentou a documentação corretiva solicitada no dia 6 de Junho de 2025, o CC entendeu que o processo recomeça a partir dessa data, iniciando-se um novo prazo de 60 dias. Ou seja, a tutela da Justiça terá até 6 de Agosto de 2025 para decidir sobre o pedido de legalização do partido.

No entanto, esta leitura está longe de ser pacífica. A Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 7/91, de 23 de Janeiro), no seu artigo 7.º, n.º 2, impõe um prazo de 30 dias para que os proponentes corrijam irregularidades depois de notificados. Ou seja, a solicitação para sanação visa unicamente concluir a apreciação do processo, e não reavaliar os requisitos iniciais que, por norma, devem ser verificados logo na primeira fase.

Sanação não é reapreciação

A fase de correção, tecnicamente chamada de “sanação”, serve exclusivamente para suprir falhas identificadas após a análise inicial do processo. Neste contexto, o prazo a considerar deixa de ser o de verificação de requisitos (60 dias) e passa a ser o de conclusão do procedimento (25 dias), conforme previsto na Lei da Formação da Vontade da Administração Pública, que atua de forma subsidiária sempre que há lacunas na legislação específica neste caso, a dos partidos políticos.

Ora, se o legislador distinguiu claramente estas duas fases  verificação de requisitos e conclusão do procedimento  não é coerente que, a cada pedido de correção, se reinicie todo o ciclo legal. Tal entendimento ameaça a previsibilidade do direito e permite ao Ministério da Justiça manipular prazos e decisões, de forma indefinida, através de sucessivas “reanálises”.

Duas fases, dois prazos

No caso de ANAMALALA, os prazos deveriam ser contados da seguinte forma: a verificação de requisitos tem início na data de entrada do processo no Ministério da Justiça, com prazo de 60 dias. Caso sejam detectadas falhas, inicia-se a fase de correção, com novo prazo, este de 25 dias, destinado à conclusão do procedimento, após a entrega dos documentos em falta.

O problema que se coloca é que o Conselho Constitucional, ao decidir que o processo se reinicia com cada submissão de documentos, criou uma espécie de “loop jurídico”, onde o Ministério pode prolongar indefinidamente a tomada de decisão, bastando para isso emitir novos pedidos de correção.

Um recurso que salvou o processo

Apesar da aparente contradição jurídica, o recurso interposto pela equipa de VM7 ao CC acabou por ser estrategicamente acertado. Se tal recurso não tivesse sido submetido, corria-se o risco de o prazo dos 25 dias já ter expirado, tornando impossível qualquer contestação futura por alegada intempestividade. Em termos práticos, o Ministro da Justiça poderia simplesmente manter-se em silêncio e, quando questionado, alegar que o prazo legal para recorrer já havia passado  encerrando assim o processo por indeferimento tácito.

Com esta decisão do CC, o Ministério da Justiça vê-se agora obrigado a emitir um parecer até ao dia 6 de Agosto de 2025. E caso a decisão não seja favorável, a equipa promotora do partido ANAMALALA já sinalizou a intenção de recorrer novamente ao Conselho Constitucional.

ANAMALALA continua em marcha

A novela jurídica em torno da criação do partido ANAMALALA está longe de terminar, mas os últimos desenvolvimentos parecem animar os apoiantes do movimento. “Tudo indica que vou celebrar o meu aniversário em Agosto com o papel da formação do partido ANAMALALA nas mãos”, afirmou com entusiasmo Cremildo Chichongue, um dos activistas próximos da liderança do projecto político.