Presidente afirma que não houve conversações com Venâncio, mas admite cumprimento de entendimento mútuo
O Presidente Daniel Chapo declarou recentemente, de forma categórica, que não existe qualquer acordo estabelecido entre si e Venâncio Mondlane. De acordo com o chefe de Estado, o que aconteceu foi apenas um encontro entre ambos, durante o qual chegaram à conclusão de que era urgente promover a paz e estabilidade no país. Após essa reunião, segundo afirma, cada um passou a agir em conformidade com esse entendimento. No entanto, Chapo fez questão de sublinhar que não houve conversações formais entre os dois.
Esta posição, à primeira vista, levanta uma contradição gritante. Como se pode alegar que houve um entendimento comum sem que tenha existido uma troca de ideias, um diálogo, por mínimo que seja? O conceito de entendimento não é compatível com ausência de comunicação. Chegar a uma conclusão partilhada pressupõe, inevitavelmente, alguma forma de diálogo — seja ele verbal, tácito ou simbólico.
Se houve um encontro presencial entre Chapo e Mondlane, e desse encontro emergiu a percepção conjunta da necessidade de pacificar o país, é evidente que existiu um acordo. Mesmo que esse acordo não tenha sido formalizado por escrito ou apresentado publicamente, o simples facto de ambos agirem em função desse entendimento aponta para a existência de um compromisso político, ainda que informal.
Mais intrigante ainda é a insistência de Chapo em afirmar que ambos estão a cumprir com o que foi entendido. A ideia de "cumprimento" remete diretamente a um compromisso assumido. E todo compromisso nasce de um ponto de contacto entre as partes — de um consenso, de um entendimento mínimo. Logo, ao admitir que há um seguimento de acções com base nesse entendimento, o Presidente está, indirectamente, a reconhecer que houve um pacto. Mesmo que não se queira chamar “acordo”, os sinais são os mesmos.
A alegação de que não houve qualquer conversação durante os encontros não resiste a uma análise lógica. Os dois líderes estiveram frente a frente em mais de uma ocasião, durante longas horas. Será plausível acreditar que permaneceram em silêncio absoluto? Que se limitaram a trocar olhares e, por obra de telepatia, chegaram à conclusão de que o país precisava de paz? Essa versão beira o absurdo. Onde há encontro político entre adversários, há troca de palavras, partilha de ideias, construção de caminhos ainda que cautelosa e informal.
Este tipo de narrativa encaixa-se num padrão frequentemente utilizado na política moçambicana e não só: a estratégia da negação conveniente. Trata-se de um mecanismo retórico que consiste em negar o óbvio para evitar as implicações políticas que a verdade possa trazer. Ao negar a existência de um acordo, tenta-se preservar margem de manobra, evitando o escrutínio público, e mantendo intacta a imagem de autonomia decisória. No entanto, ao mesmo tempo, capitaliza-se o simbolismo do gesto: a ideia de reconciliação, a aparência de liderança dialogante e o prestígio de quem está disposto a pôr o país acima das diferenças partidárias.
No fundo, é uma forma de colher os frutos da paz sem semear os custos da transparência. É uma política de ambiguidade calculada, onde se diz uma coisa e se faz outra, sempre com o objectivo de manter o controlo do discurso público.
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