Antigo Presidente moçambicano alerta que muitos partidos oriundos das lutas de libertação afastaram-se dos princípios fundadores e deixaram de servir os interesses do povo.

O antigo Presidente da República de Moçambique, Joaquim Chissano, fez recentemente declarações marcantes sobre a actual trajectória dos movimentos de libertação em África. Numa análise franca e crítica, Chissano afirmou que muitos desses movimentos, outrora criados com o objectivo nobre de lutar pela liberdade e dignidade dos seus povos, perderam o rumo e afastaram-se dos ideais que os fundamentaram.

Segundo Chissano, os movimentos de libertação, que foram forças determinantes na luta contra o colonialismo e opressão, deveriam continuar a ser instrumentos de transformação social, económica e política ao serviço do povo. No entanto, na sua visão, muitos destes partidos  que se transformaram em forças políticas dominantes nos respectivos países  tornaram-se estruturas fechadas, voltadas para a autopreservação e manutenção do poder, em detrimento das verdadeiras necessidades das populações.

Os movimentos de libertação deixaram de ser plataformas de serviço público para se tornarem, em muitos casos, mecanismos de perpetuação de elites", lamentou Chissano, sublinhando que esta mudança de postura representa uma traição aos princípios que nortearam as lutas de independência por todo o continente africano.

O antigo estadista moçambicano, conhecido pelo seu papel moderador e pelo envolvimento em processos de paz dentro e fora de Moçambique, destacou que os líderes actuais deveriam revisitar os compromissos assumidos pelos seus predecessores, colocando novamente os interesses do povo no centro das decisões políticas.

A razão de ser dos movimentos de libertação era servir o povo, garantir justiça social, promover o desenvolvimento e defender a soberania. Mas hoje, em muitos contextos, isso foi substituído por ambições pessoais, corrupção e autoritarismo disfarçado de legitimidade revolucionária”, acrescentou.

Chissano apelou ainda a uma profunda reflexão por parte das lideranças africanas e da sociedade civil sobre o futuro das democracias no continente. Sublinhou que só através de uma reconexão com os valores fundacionais das lutas de libertação será possível reconstruir a confiança entre governantes e governados, e garantir um futuro mais justo para as gerações vindouras.

Estas declarações surgem num contexto de crescente desilusão popular com os regimes dominantes em várias nações africanas, muitos dos quais descendentes directos dos movimentos de libertação da segunda metade do século XX. Protestos, crises institucionais, golpes de Estado e denúncias de má governação são sinais visíveis de um descompasso entre os ideais do passado e a prática política do presente.