Apesar das diferenças ideológicas e geográficas, ambos enfrentam a retaliação de sistemas que não toleram a dissidência.


Apesar de separados por continentes, realidades políticas distintas e ideologias muitas vezes opostas, Venâncio Mondlane e Jair Bolsonaro parecem partilhar uma característica rara nos dias de hoje: a disposição para desafiar abertamente os poderes instituídos  e enfrentar as consequências dessa ousadia.

De um lado, em Moçambique, Mondlane destacou-se como uma das vozes mais incisivas contra a concentração prolongada de poder político. Denunciou irregularidades, expôs abusos de autoridade e posicionou-se como uma alternativa real à política tradicional, ganhando seguidores entre os desiludidos com o status quo. Essa postura tem-lhe valido mais do que reconhecimento público: de acordo com informações recentes, poderá enfrentar um mandado de detenção  um sinal claro de que o sistema responde com firmeza quando os seus alicerces são ameaçados.

Do outro lado do Atlântico, no Brasil, Jair Bolsonaro enfrenta um cenário judicial conturbado desde que deixou a presidência. Acusado de várias irregularidades, tornado inelegível e alvo de múltiplas investigações, continua a ser uma figura central no debate político. Para milhões de brasileiros, Bolsonaro não é símbolo de transgressão, mas sim de perseguição. Um político que, goste-se ou não, continua a agitar as estruturas do sistema com a sua retórica e presença.

Não se trata aqui de colocá-los no pedestal da perfeição nem de ignorar os seus erros ou polémicas. O ponto central é outro: ambos enfrentam, cada qual à sua maneira, as reações ferozes de sistemas políticos que se sentem ameaçados por vozes disruptivas. O que deveria ser a essência da democracia  o debate livre, o pluralismo de ideias e a tolerância à oposição transforma-se, muitas vezes, numa máquina de silenciamento.

É neste ponto que as trajetórias de Mondlane e Bolsonaro se tocam. Não pela ideologia, mas pela experiência comum de enfrentarem estruturas que, quando pressionadas, abandonam os princípios democráticos que dizem proteger.

Imaginar um encontro entre ambos pode parecer improvável, quase irreal. Mas esse exercício de imaginação não se baseia na afinidade política, e sim na possibilidade de reconhecer que a repressão ao dissenso não escolhe lado: atinge tanto a esquerda quanto a direita, sempre que o sistema se vê confrontado por figuras que desafiam as suas regras não escritas.