Apesar de ter sido o candidato mais votado nas eleições de 2024, Venâncio Mondlane continua a ser visado pela Procuradoria, num processo marcado por alegações de irregularidades constitucionais e motivações políticas.


O político moçambicano Venâncio Mondlane, o candidato mais votado nas eleições gerais de Outubro de 2024, continua a ser alvo de perseguição judicial e política, mesmo num período simbólico em que o país celebra os 50 anos da sua independência. Esta realidade evidencia o quanto Moçambique ainda está distante de alcançar uma verdadeira reconciliação nacional entre os diversos actores políticos e sociais.

No dia 27 de Junho, dois dias após a efeméride da independência nacional, Mondlane foi notificado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), sem qualquer carácter de urgência e sem factos novos que justificassem tal convocatória. Esta actuação tem sido interpretada como parte de uma manobra persecutória, revestida de motivações políticas, que visa silenciar o opositor mais expressivo do actual regime.

A Procuradoria, órgão que deveria defender a legalidade democrática e agir com imparcialidade, tem vindo a comportar-se como uma extensão do partido no poder. Age como se fosse um instrumento partidário, ignorando a imunidade que cobre Mondlane enquanto membro do Conselho de Estado, conforme consagrado na Constituição da República.

É importante recordar que, nos termos da Constituição moçambicana, os dois candidatos mais votados nas eleições presidenciais integram, automaticamente, o Conselho de Estado. Tal prerrogativa não depende de qualquer benevolência presidencial ou partidária  é uma imposição legal decorrente da vontade popular expressa nas urnas. No caso de Mondlane, essa posição é ainda mais relevante, visto que nunca foram confrontados publicamente os resultados eleitorais com transparência, ficando sempre a dúvida sobre a legitimidade da vitória proclamada de Daniel Chapo.

A PGR sustenta a sua acção com base num áudio de natureza privada, captado em contexto restrito, que pretende agora utilizar como prova contra Mondlane. Este facto representa uma grave violação da Constituição, que no artigo 65.º, n.º 3, proíbe expressamente o uso de provas obtidas através de coacção, intrusão na vida privada ou outros meios abusivos. Pretender que o arguido colabore com a sua própria incriminação fere o princípio fundamental do direito a um julgamento justo.

Além disso, as acusações contra Venâncio Mondlane derivam, essencialmente, do exercício de direitos constitucionalmente garantidos, como a liberdade de expressão, de reunião e de manifestação — consagrados no artigo 51.º da Constituição da República de Moçambique. A tentativa de criminalização do seu posicionamento político e da mobilização popular contra alegadas fraudes eleitorais configura, por isso, uma violação clara do Estado de Direito.

Importa sublinhar que, segundo o artigo 80.º da Constituição, todos os cidadãos têm o direito de resistir a ordens ilegais, especialmente quando estas subvertem a soberania popular. O actual processo contra Mondlane surge, assim, como uma resposta à sua postura firme na denúncia das irregularidades eleitorais e na defesa do princípio de alternância democrática.

O silêncio cúmplice do Conselho de Estado, que deveria pronunciar-se sobre a legalidade da actuação da PGR, levanta sérias dúvidas sobre a independência das instituições moçambicanas. De acordo com a Lei n.º 5/2005, só mediante deliberação do próprio Conselho é que um membro pode ser suspenso para responder judicialmente, salvo em caso de crimes graves. No entanto, Mondlane não enfrenta acusações de natureza criminal grave, mas sim um processo assente em alegações vagas e juridicamente frágeis.

Ainda mais grave é o facto de o processo estar a ser conduzido por instâncias judiciais comuns, quando, nos termos legais, o Tribunal Supremo é o único competente para julgar membros do Conselho de Estado  reforçando a ilegalidade da acção em curso.

A comunidade internacional, por seu lado, tem-se mostrado reticente em condenar a repressão política em Moçambique. Muitos observadores vêem nesta passividade um sinal de conivência com o regime, que continua a garantir aos países ocidentais o acesso facilitado aos recursos minerais moçambicanos. A chamada “democracia dos minerais” permite que os interesses externos se sobreponham à dignidade e aos direitos do povo moçambicano.

Neste contexto, a presença do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, nas comemorações da independência a 25 de Junho de 2025, foi vista como um acto de legitimação da actual ordem política, dominada pela FRELIMO. A sua visita, embora revestida de simbolismo histórico, soou a muitos como uma traição aos valores democráticos, especialmente depois de o parlamento português ter condenado a fraude eleitoral moçambicana.

Venâncio Mondlane, enquanto membro legalmente eleito do Conselho de Estado, não necessita da validação de nenhum dirigente da FRELIMO. A sua condição é definida no artigo 164.º da Constituição, que estabelece que o segundo candidato mais votado ao cargo de Presidente da República integra, por direito próprio, aquele órgão de consulta do chefe de Estado. A formalidade da tomada de posse foi, aliás, inviabilizada pelo próprio Presidente Chapo, que, ao não respeitar o prazo legal para esse acto, violou o artigo 6.º da Lei do Conselho de Estado.

A contínua perseguição a Mondlane, mesmo após os prazos legais para a sua integração plena no Conselho de Estado, levanta questões sérias sobre o compromisso das autoridades moçambicanas com a democracia, a legalidade e os direitos fundamentais.

A Procuradoria-Geral da República, ao insistir em notificações ilegais, e o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, ao manter-se em silêncio, expõem-se a acusações de cumplicidade e desrespeito pelo Estado de Direito. A omissão institucional, num caso com tamanha gravidade, é por si só um acto incriminatório.